É
incrível o quanto se diz hoje em dia que os tempos bons são outros - aqueles
que não voltam mais - entretanto, pouco
ou nada se faz para tentar ao mínimo reproduzir o que foi bom. Não devemos
viver com a impressão contínua de estarmos no tempo errado ou nunca
conseguiremos aproveitar as qualidades do presente. É preciso entender que
apesar das coisas boas, as condições eram outras e nós também: estávamos do
outro lado do livro de histórias, éramos as crianças e hoje somos os pais.
Aliás, quantos de vocês contam ou lêem histórias para os seus filhos hoje em
dia?
Este
texto, na verdade esta série de três textos, tem por objetivo apontar algumas
diferenças na criação dos filhos, de Antes e Agora, não para lhes ensinar o que
é correto a ser feito, mas para ver de outra forma, sob outra perspectiva e
tornar suas reclamações vazias ou fundamentadas.
Não tenciono esgotar o tema neste texto, até mesmo para expandi-lo posteriormente com a ajuda dos leitores, enfim:
O DINHEIRO E A INSTAURAÇÃO DOS
VALORES
Não
desejo para meus filhos a pobreza do meu passado, mas insisto em repetir os
valores aprendidos nele.
Crianças
eram apenas crianças, e não pequenos adultos. Tinham tanta liberdade de escolha
quanto os pais permitiam ter e não o quanto elas próprias o decidiam.
Ao
ir a um restaurante, minha mãe dizia “você vai sentar ali, seu irmão lá e sua
irmã aqui”. Hoje os pais dizem “Onde vocês querem sentar?”. Parece besteira ou
exagero querer regular isso, mas ao escolher onde sentáríamos, minha mãe sabia
quem precisava ter mais perto de si, quem precisava ficar onde ela podia vigiar
bem, por saber do nível de traquinagem, e quem poderia deixar relativamente
livre sem que os outros soubessem disso.
Ela
olhava o cardápio por um tempo e dizia “Vamos comer isso e isso”. Hoje se diz
“O que vocês querem comer?”. O ato relevante aqui é que quem pagava era ela,
logo sabia dos limites financeiros desta refeição com relação ao restante do
passeio, além disso, ao escolher, garantia que todos se alimentassem de
verdade, ao contrário de hoje, pois ao permitir que as crianças escolham
livremente, normalmente pedem apenas uma das opções de mistura ou
acompanhamento, isso quando já não partem direto para a sobremesa, alegando nem
estar com fome (mas é só sair do restaurante ou chegar em casa que anunciam que
querem comer).
Normalmente
na hora da sobremesa, minha mãe lia em silêncio a lista com mais de dez
possibilidades e dizia “Tem isso ou isso para cada ou ainda aquilo para
dividir. O que vocês querem?”. A escolha sempre existiu, mas de forma
controlada. Desperdício nunca foi uma escolha. Sempre foi preferível repetir,
comprar de novo, a deixar sobrar e não conseguir aproveitar.
Cresci
com crianças que foram educadas com o valor do “Ter”: era pedir que os pais
davam, simples assim. Hoje estas pessoas ou estão do lado errado da lei ou
estão tão envolvidas em dívidas que duvido muito que consigam dormir
tranquilamente todas as noites sem o fantasma de algum credor lhe assombrar.
Eu
cresci com o valor do “Conquistar e Merecer”: tinha de me comportar, ir bem na
escola e ajudar com alguma pequena tarefa de casa, aí os mimos vinham. Mas se
engana quem pensa que era só escolher e o presente chegava, nada disso. A sabedoria
instintiva e inocente de minha mãe ia muito além disso, pois a principal
diferença entre o Antes e o Agora é o uso consciente da palavra “Não”. A ideia
nunca foi inibir, proibir ou privar, mas valorizar a ocorrência do “Sim”. Eu e
meus irmãos não podíamos comer doce todo dia, brincar na rua de baixo, comprar
roupas da moda ou todo brinquedo diferente que aparecia na televisão e isso era
um saco, mas quando minha mãe aparecia com uma guloseima, aquilo era como o
espinafre do Popeye! Alegria pura! Quando ela nos presenteava com algum
brinquedinho, não interessava quanto custou ou de que marca era, se era
original, genérico ou artesanal. O que interessava é que um dia comum se
coloriu com um mimo de quem nos amava.
Sempre
tive o essencial de tudo e assim cada pequena melhora era uma grande vitória a
ser comemorada. Hoje se quer tanto de tudo que as aquisições materiais deixaram
de ser vitórias para serem “apenas mais uma compra”.
Acontece
que alguns pais não percebem o motivo de algumas crianças se interessarem mais
pela embalagem do que pelo próprio brinquedo. Não é a pompa, é o momento, a
diversão - pura e simples – as possibilidades imaginativas e o mistério.
Acreditem em mim quando digo que não é preciso comprar o brinquedo da moda que
custa mais do que a compra de alimentos do mês; não é gastar dinheiro que faz a
diferença, mas gastar tempo pensando em alegrar quem se ama.
É preciso estar atento para quais valores se quer transmitir aos filhos e minimizar, sempre que possível, a força do dinheiro. Lembro de um brinquedo que eu adorava quando criança: um revolver colorido, pequeno, que atirava bolinhas plásticas de diversas cores. Ganhei só um. Amarelo, cujas bolinhas verdes, azuis e vermelhas me encantavam sem igual. hahah Apesar de só ter ganhado um, perco as contas de quantas vezes só o olhei de longe, grudado na saia de minha mãe, clamando que me comprasse um. Ela sabia que precisávamos de outras coisas. E também que eu deveria merecer para tê-lo. Passei de ano e ganhei.
ResponderExcluirBom que os pais reforcem comportamentos positivos, ensinando com a partir disso uma série de lições implícitas (ganhou porque mereceu, esforçou-se e tirou boas notas; e não porque briga com o coleguinha na escola e de vez em quando faz birra em público). É preciso educar para a responsabilidade desde cedo - por conseguinte, isso exige responsabilidade, algo de que muitos infelizmente têm fugido em nossa sociedade...