"Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante." - Clarice Lispector
Estavam
impressionadas demais para fazer qualquer coisa. O copo então começou a mover-se
sozinho pelo tabuleiro improvisado. Ninguém o estava tocando quando continuou
seu trajeto saindo do tabuleiro e indo de encontro ao espaço vazio da cadeira
sem dono até cair e espatifar-se no chão em dezenas de pequenos pedaços
cortantes.
Todas as três amigas se levantaram
aterrorizadas e, como um acordo não dito, cada uma, a seu modo tentou dar mais
vida e normalidade aquele lugar: As luzes foram acesas, as velas apagadas e o
aparelho de som ligado.
- Temos de fechar o
contato - advertiu Cris.
- Eu é que não quero
mais saber disto - respondeu Luara.
- Ninguém vai
acreditar nisto - lamentou-se Juliana, a dona da casa.
- Então não
contaremos a ninguém - Luara decretou.
- Tudo bem - afirmou Cris, tomando as rédeas da situação - Agora vá
até a cozinha e pegue a pá de lixo e um saco plástico enquanto nós recolhemos esses
cacos aqui.
- O quê!? Ir sozinha?
Não mesmo!
- Mas você mora aqui!
- E daí? Por isso não posso sentir medo?
- Mas você mora aqui!
- E daí? Por isso não posso sentir medo?
- Tá bom. Eu vou com
você, sua medrosa.
- Vamos logo então - sentenciou Juliana -
Temos de limpar isto antes que meus pais cheguem e briguem com a gente.
- Com a gente? - Ironizou Luara - Com
você, isso sim.
Sempre fazendo algum
contato umas com as outras. Cantando e falando alto para se distraírem e
espantarem o medo, a garotas terminaram de recolher os pedaços do copo e foram embora. Não
queriam mesmo ser encontradas na casa de sua amiga quando sua mãe chegasse.
Seja como for, se veriam na escola no dia seguinte e ririam muito daquilo.
Não demorou para que
seus pais chegassem em casa. Juliana se manteve no quarto e começou a pentear os
cabelos em frente ao espelho do seu guarda roupa.
Ouviu seu pai gritar.
Assustou-se.
- Querida, está aí em
cima?
Era sua mãe. Devia
estar bêbada para estar chamando-a de “querida”. Um frio correu por sua
espinha. Provavelmenbte seu pai se cortou com algum pedaço do copo esquecido em
algum canto da casa uma vez que ele tinha o hábito de tirar os sapatos tão logo
fechasse a porta atrás de si. Ela ouviu passos. Pararam em frente ao quarto...
- Querida, posso
entrar?
Ela respirou fundo e
respondeu:
- Claro, mãe. Entre.
Sua mãe abriu a porta
do quarto e entrou.
- Você pode me dizer
algo sobre isto?
Ela mostrava um
pedaço de vidro tingido de vermelho. Sangue. Sangue de seu pai.
- Eu... quebrei um
copo hoje...
- E?
- “E” o que? Foi
isso.
- Eu vi um tabueiro
OUIJA improvisado jogado em cima da escrivaninha do corredor... Não quer me
dizer nada?
Ela tremeu inteira.
Tinha esquecido de guardar o jogo depois da arrumação.
- Esqueceu de
fechá-lo corretamente...
- Você conhece o jogo
do copo, mãe?
- Digamos que já
participei de muitas sessões... e posso dizer que é muito perigoso.
- A senhora acredita
nestas coisas, mãe?
- E você não? Não
conseguiu falar com ninguém?
- Bem, na verdade
aconteceram umas coisas...
- E você e suas
amigas pararam no meio sem fechar o contato, não é mesmo?
- Como sabe? Já fez
isso também?
- Acontece sempre,
querida. Sempre.
A mãe pegou a escvova
da menina, foi para suas costas e começou a escovar seus cabelos.
- Você não devia
brincar com essas coisas.
- Eu sei mãe, agora eu
sei. Não vou mais fazer isto.
- Não vai mesmo.
- Como assim? Jogou o
tabuleiro fora?
- Não... Acontece que quando
se improvisa um tabuleiro OUIJA, se aumenta a chance de contatar um demônio ao
invés de um espírito e, isto é ainda mais perigoso.
- Credo!
- E não é só isto:
Quando se fecha o contato você tranca o espírito ou demônio no mundo nele
novamente. É importante fazer isto sempre! Principalmente quando o copo foge do
tabuleiro...
- Por que?
- Porque quando o
copo, ponteiro ou seja lá o que estiver sendo usado foge do tabuleiro, a
entidade contatada atravessa para este mundo para assombrar e, se o contato não
for fechado ela ganhará força também para possuir os vivos...
Ela olhou para o
espelho e viu que sua mãe tinha uma faca em uma de suas mãos erguidas e ainda
tentou gritar, mas mesmo que conseguisse não teria mais ninguém vivo por perto
para ajudá-la.
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