sábado, 30 de agosto de 2008

Certas Lições São Pra Sempre - O Tempo Não Espera.


Há muito tempo numa cidade serrana do interior nasceu Bernardo, filho primeiro de um casal já de idade avançada: ela 49 ele 53.

O povo se assustou ao saber dessa gravidez. Especularam coisas e mais coisas, mas eles foram firmes e mantiveram sua postura.

ELA - Desde que a gente se conheceu que queremo um filho.

ELE - Não há coisa mais bunita no mundo que deixar sua marca pro futuro através dum fio.

ELA - A idade num importa quando se quer muito uma coisa! Você pede a Deus e continua tentano que um dia você cunsegue! Pede a Deus gente. É só pedir!

ELE – É só pedir. E por falá em pedir, vocês podi ir embora agora pra gente cuidar de nosso Bernadinho?!

...

O tempo passou rápido pra esses dois desde então. O peso dos anos se fez presente sem clemência e antes de Bernanrdinho completar 10 anos sua mãe morreu do coração.

Foi uma perda muito forte pra essa família e para aquela comunidade. O pai teve muita força pra não se matar nos meses que seguiram a isso.

Esforçava-se muito pra não reclamar das dores que sentia em silêncio graças a um tiro que levou quando mais novo em uma briga de bar. A mãe cuidava muito bem disso com um chá e uma massagem... Mas a mãe não estava mais ali.

Não era fácil estar velho e morrendo e saber que não verá seu filho terminar a escola. Seu filho. Seu único filho.

Sua marca no mundo!

Esse pensamento fez algo mudar no interior desse pai. Ele ficou severo da noite para o dia. Aquele tiro no passado apagou seu futuro. Não queria morrer e deixar uma criança no mundo sem chances de sobreviver. Transformou aquele menino num pequeno homem!

Ensinou a ele tudo que julgava importante, tudo que sua mãe gostaria e ele achava que daria tempo de terminar, mas o tempo não espera certas lições...

PAI – Sabe Bernardo – Bernanrdinho não existe mais – Você é um orgulho pra mim e pra sua mãe...

BERNARDO – Obrigado pai – respondeu o rapaz com seus vívidos 17 anos ao pai moribundo no sofá – Tenho orgulho de vocês tam...

PAI – Num terminei porquera! Eu quero que você faz uma coisa pra gente...

BERNARDO – O que é pai; é claro que faço.

PAI – Eu quero que você junta suas troxinhas, pega o dinheiro dentro do pote dos grampo de sua mãe e vai embora pra cidade!

BERNARDO – Mas pai... Como assim?

PAI – Me ouve moleque!

Bernardo lacrimejou. Sentia falta de ser chamado assim.

PAI – Eu te dei tudo que eu e sua mãe num tivemos. Tudo que a gente pudia te dava. Tudo! Aí sua mãe morreu... Deus levo ela, fio. Te tirei sua criancice pra agüentar quando esse dia chegasse e esse dia chegô então eu quero que seje homem! Você era novo quando viu sua mãe morrer e num quero que me veja morrer também não! Quero que você vai embora pra cidade, pra terminar de estudar e ser alguém! Nem precisa ser dotor se num quiser, mas tem de estudar, moleque! Eu e sua mãe vamo ta olhando pra você todo dia.

Bernardo rendeu-se ao turbilhão de lágrimas que imploravam para sair de seus olhos jovens.

PAI – Pode até chorar, mas tem de ir embora! Anda! Anda! Vai!

Mesmo sem forças ou vontade o rapaz começou a juntar as poucas mudas de roupa não rasgadas ou remendadas que possuía... Aquilo não poderia estar acontecendo. Não poderia!

PAI – Mais triste que isso que to fazeno é ter tirado sua criancice. Me promete que vai ter fios e dá eles todo amor e liberdade pra ser criança enquanto tiver que ser. Me promete? Me promete que eles vão ser só criança até a hora de virar adulto?

O rapaz respondeu que sim entre lágrimas, mas só lembraria dessas exatas palavras muito tempo depois, por que agora a única coisa que lhe passava pela cabeça era por que não conseguia desobedecer a essa ordem...

Por ser a última.

PAI – Então sai daqui fio. Vai embora. Vai ser homem de verdade na cidade. Dá orgulho mais ainda pra eu e sua mãe. A gente te ama fio... A gente te ama!

Ouvir seu pai dizer que o amava como se sua mãe estivesse sentada ao lado dele fez Bernardo sair correndo! Queria explodir de dor e não queria que seu pai visse que seu jovem homem – sua marca no mundo – chorava como uma criança abandonada...

Saiu tão afoito que não disse um adeus a seu pai então acordou a todos da cidadezinha com seus gritos dolorosos...

BERNARDO – PAI EU TE AMOOO! MANDA UM BEIJO PRA MÃE! DIZ QUE EU TENHO SAUDADE! VOU SER O HOMEM QUE QUERIAM!! EU TE AMOOO! ADEUS! ADEUS!!

E as pessoas iam aparecendo nas janelas à medida que ele atravessava a cidade aos gritos. Suas lágrimas nunca serão esquecidas por quem cruzou por ele naquela noite.

O povo sabia que o pai não demoraria a morrer, mas nunca se está pronto realmente para isso.

E mais triste que ver o rapaz gritando adeus ao longe foi ver o velho sussurrando adeus antes de fechar os olhos afogados em lágrimas...


***

A criança se aproxima da mãe com um olhar curioso e ingênuo:

CRIANÇA – Mãe por que o vovô decidiu ser policial e não médico que nem o papai?

A mãe engoliu a seco, respirou fundo e respondeu:

MÃE - Por que sim menino. Pra ajudar os outros...

CRIANÇA - Que legal!

MÃE - Seu avô é um homem muito bom e sofrido meu filho...

CRIANÇA – Sofrido? O que é isso mamãe?

Ela olhou para a foto de seu pai na parede ao lado. Suspirou pensativa e finalmente respondeu:

MÃE – Coisa de adulto filho. Um dia eu te explico. Vai brincar vai... Vai ver o que sua irmã está fazendo...