quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Mia Manchinha, Mia!


Já fui uma criança muito peralta, já fiz muita besteira, muita burrice e até maldade. Entretanto, crianças não discernem tão bem a diferença entre bem ou mal.

Tenho lembranças nebulosas de meus tempos de infância e a minha primeira lembrança não é nada romântica ou bonita: eu tinha 2 anos e matei um gato!

Fui presenteado por minha tia com um gatinho malhado. Chamei imediatamente de Manchinha.

Achei ele meio chato por que não conversava nada, daí ela me explicou que os animais falam sua própria língua e que o Manchinha como todos os gatos miava.

- Gente fala e gato mia – ela disse.

Eu pegava o gato nas mãos e falava:

- Mia gatinho, mia!

Normalmente nada acontecia, mas quando ele miava, eu dava uma risada que enchia a casa de alegria (já notaram o poder de transformação de uma risada de criança?), era super divertido.

Manchinha era filhote assim como eu. Não tínhamos um quintal ou redondeza muito segura para um filhote ou uma criança, portanto, pedi uma casa para ele para que eu pudesse também ficar em casa. Minha família nunca foi a mais afortunada do bairro (tampouco a mais inteligente), e deste modo improvisávamos muitas coisas como essa, mas que para a surpresa de alguns, a casa de meu gato acabou sendo uma gaiola!

(E mesmo depois do que narro agora não aprenderam e repetiram a sandice com o fogão do coelhinho Puff).

A gaiola além de imprópria para o animal em questão era velha e de metal meio enferrujado.Meu quintal não era dos melhores por conta dos galhos retirados de duas árvores cortadas para a construção de uma casa no terreno. Os materiais de construção toscamente distribuídos e os escombros de todos os tipos espalhados.

A gaiola era pesada e pouco confortável de segurar para uma criança de 2 anos (e tampouco como moradia para um bicho daquele... ou qualquer outro bicho). Vez por outra lá ia ela rolando pelo chão enlouquecendo o pobre bichano que rodopiava indefeso dentro dela pelo cômodo inteiro antes de parar, daí eu o pegava e dizia:

- Mia gatinho, mia!

Saía um miado meio zonzo super divertido.

Não demorou muito para ela – a gaiola – se tornar um perigo (e uma arma) para nós.Manchinha era um gatinho meio tonto e eu um menino de dedos constantemente cortados graças s pontas soltas e afiadas.

Uma manhã fui procurar Manchinha para brincar (lembram disso de algum lugar? Hehehe) e nem ele nem sua casa / gaiola estavam em lugar algum. Finalmente minha vó disse (Deja vu) que o pedreiro achou engraçado ver um gatinho criado dentro de uma gaiola e levou para mostrar para os ajudantes e esqueceu de trazer de volta, logo estaria na construção.

Fui em seu encalço e depois de desviar de uns sacos de areia, um monte de entulho e sobreviver a poeira do cimento visualizei a gaiola no alto de um monte de tijolos (bem mais alto que eu (alguém achou que seria fácil? Ai ai ai). Como a maior parte das crianças em dificuldade eu chamei um adulto para me ajudar...

Peraí, a quem estou tentando enganar?

Nenhuma criança dita normal pede ajuda antes de tentar e se ferrar!

É claro que eu tentei e é ainda mais claro que eu me ferrei...

Lá fui eu com toda minha (não) destreza escalar o obstáculo que me separava de meu desejo, nem preciso dizer que não demorou muito para eu cair e derrubar um bocado dos tijolos (a única sorte dessa história foi ter apenas me arranhado na pena), sem dizer que a gaiola também caiu e ricocheteou em todos os lugares possíveis e impossíveis (nem se fosse de borracha teria ricocheteado tanto). No fim quando decidiu (?) parar estava bem mais retorcida que o normal e tinha bem mais pontas soltas que antes, agora em todas as direções!

Eu me recuperei da queda (não antes de chorar horrores) e olhei em volta em busca do gato; lá estava ele dentro daquele ouriço de metal enferrujado que outrora foi uma gaiola. Manchinha estava acuado, assustado e completamente tonto exibindo suas cores: preta, branca, marrom de poeira e... Vermelho!

Tenho nítidos problemas visuais (sacaram o trocadilho infame?), logo as cores vibrantes são ainda mais atraentes para mim, como se a cor vermelha já não chamasse atenção das crianças e certos animais, eu fiquei hipnotizado / aficionado e mais que rapidamente enfiei a mão no ouriço de metal por algum buraco que não era a portinha, peguei o bichano e puxei para fora...

- Mia gatinho, mia!

Ele era um pouco maior que essa nova abertura, mas forcei e ele passou e como miava engraçado...

O vermelho então se acentuou e Manchinha começou a se debater em minhas mãos e à medida que eu apertava para que ficasse quieto e não me machucasse mais ele mexia... E mais vermelho ficava...

Ele parou de mexer.

Não miava mais...

- Mia gatinho, mia!

Quando vi que ele estava imóvel, molinho e que minha mão estava toda molhada de vermelho, me bateu uma tristeza e um desespero.

- Mia gatinho, mia!
Era o que eu gritava agitando as mãos e corria para a barra da saia de minha vó.

Aprendi o que era sangue, me falaram algo sobre uma tal de “morte” e não entendi muito além de que não teria mais gatos em gaiolas e que o Manchinha não ia miar nunca mais.