terça-feira, 5 de janeiro de 2016

UM JOGO PERIGOSO






"Coragem e covardia são um jogo que se joga a cada instante." - Clarice Lispector


            Estavam impressionadas demais para fazer qualquer coisa. O copo então começou a mover-se sozinho pelo tabuleiro improvisado. Ninguém o estava tocando quando continuou seu trajeto saindo do tabuleiro e indo de encontro ao espaço vazio da cadeira sem dono até cair e espatifar-se no chão em dezenas de pequenos pedaços cortantes.

Todas as três amigas se levantaram aterrorizadas e, como um acordo não dito, cada uma, a seu modo tentou dar mais vida e normalidade aquele lugar: As luzes foram acesas, as velas apagadas e o aparelho de som ligado.

- Temos de fechar o contato - advertiu Cris.

- Eu é que não quero mais saber disto - respondeu Luara.

- Ninguém vai acreditar nisto - lamentou-se Juliana, a dona da casa.

- Então não contaremos a ninguém - Luara decretou.

- Tudo bem - afirmou Cris, tomando as rédeas da situação - Agora vá até a cozinha e pegue a pá de lixo e um saco plástico enquanto nós recolhemos esses cacos aqui.

- O quê!? Ir sozinha? Não mesmo!


             - Mas você mora aqui!


             - E daí? Por isso não posso sentir medo?

- Tá bom. Eu vou com você, sua medrosa.

- Vamos logo então - sentenciou Juliana - Temos de limpar isto antes que meus pais cheguem e briguem com a gente.

- Com a gente? - Ironizou Luara - Com você, isso sim.

Sempre fazendo algum contato umas com as outras. Cantando e falando alto para se distraírem e espantarem o medo, a garotas terminaram de recolher os pedaços do copo e foram embora. Não queriam mesmo ser encontradas na casa de sua amiga quando sua mãe chegasse. Seja como for, se veriam na escola no dia seguinte e ririam muito daquilo.

Não demorou para que seus pais chegassem em casa. Juliana se manteve no quarto e começou a pentear os cabelos em frente ao espelho do seu guarda roupa.

Ouviu seu pai gritar. Assustou-se.

- Querida, está aí em cima?

Era sua mãe. Devia estar bêbada para estar chamando-a de “querida”. Um frio correu por sua espinha. Provavelmenbte seu pai se cortou com algum pedaço do copo esquecido em algum canto da casa uma vez que ele tinha o hábito de tirar os sapatos tão logo fechasse a porta atrás de si. Ela ouviu passos. Pararam em frente ao quarto...

- Querida, posso entrar?

Ela respirou fundo e respondeu:

- Claro, mãe. Entre.

Sua mãe abriu a porta do quarto e entrou.

- Você pode me dizer algo sobre isto?

Ela mostrava um pedaço de vidro tingido de vermelho. Sangue. Sangue de seu pai.

- Eu... quebrei um copo hoje...

- E?

- “E” o que? Foi isso.

- Eu vi um tabueiro OUIJA improvisado jogado em cima da escrivaninha do corredor... Não quer me dizer nada?

Ela tremeu inteira. Tinha esquecido de guardar o jogo depois da arrumação.

- Esqueceu de fechá-lo corretamente...

- Você conhece o jogo do copo, mãe?

- Digamos que já participei de muitas sessões... e posso dizer que é muito perigoso.

- A senhora acredita nestas coisas, mãe?

- E você não? Não conseguiu falar com ninguém?

- Bem, na verdade aconteceram umas coisas...

- E você e suas amigas pararam no meio sem fechar o contato, não é mesmo?

- Como sabe? Já fez isso também?

- Acontece sempre, querida. Sempre.

A mãe pegou a escvova da menina, foi para suas costas e começou a escovar seus cabelos.

- Você não devia brincar com essas coisas.

- Eu sei mãe, agora eu sei. Não vou mais fazer isto.

- Não vai mesmo.

- Como assim? Jogou o tabuleiro fora?

- Não... Acontece que quando se improvisa um tabuleiro OUIJA, se aumenta a chance de contatar um demônio ao invés de um espírito e, isto é ainda mais perigoso.

- Credo!

- E não é só isto: Quando se fecha o contato você tranca o espírito ou demônio no mundo nele novamente. É importante fazer isto sempre! Principalmente quando o copo foge do tabuleiro...

- Por que?

- Porque quando o copo, ponteiro ou seja lá o que estiver sendo usado foge do tabuleiro, a entidade contatada atravessa para este mundo para assombrar e, se o contato não for fechado ela ganhará força também para possuir os vivos...

Ela olhou para o espelho e viu que sua mãe tinha uma faca em uma de suas mãos erguidas e ainda tentou gritar, mas mesmo que conseguisse não teria mais ninguém vivo por perto para ajudá-la.