Não defendo o banditismo.
Não fecho os olhos para a maldade humana usando como cobertura a máscara de "vítimas do sistema".
Não me posiciono contra ou a favor de ninguém.
Apenas escrevo o que me ocorre ser interessante.
Não tenho medo algum de me contradizer posteriormente - sou humano.
Desde que o faça escrevendo me dou todo o direito de mudar de idéia.
Este não é um texto jornalístico, portanto certas coisas serão suprimidas por falta de informação, pesquisa ou atenção. Segui essa linha por me parecer mais cinza.
Baseado no fato e no filme-documentário: "Ônibus 174" de José Padilha, 2002, Brasil.
Hoje a linha tem o número de 158.
***
‘‘ Sandro, o ‘Mancha’; Sérgio, o bandido – Nomes demais para um sentimento: solidão’’.
12 de junho de 2000, Bairro Jardim Botânico, Rio de Janeiro, Brasil.
Todos têm papéis sociais a representar, todos têm um status para manter ou alcançar, mas quando o sistema falha, se a correção não for imediata à solução se distancia da execução e assim o problema é lançado a esmo para longe da vista e sempre que se esbarra com ele o ignora, pois não faz parte de seu ‘’mundinho perfeito’’, isso se chama invisibilidade social; mendigos, meninos de rua, loucos, aleijados, todos, exemplos dessa reação em cadeia da repulsa social pelo que está alheio a ordem.
Assim era Sandro, o menino de rua, o inusitado, mas convenientemente seqüestrador. Mais uma mancha no frágil véu da ordem social. Menino de rua desde os 6 anos; não aprendeu a exercer muitos papéis: não aprendeu a ser aluno pois não tinha professor ou escola, não aprendeu a ser filho pois seu pai já era ausente quando viu sua mãe morrer na sua frente, não aprendeu a ser cordeiro pois não se propuseram para pastor daquele rebanho de infelizes; mas aprendeu a ser bandido pois tinha a polícia para rotulá-lo e tratá-lo como tal, aprendeu a ser menino de rua pois não tinha casa para ele, sua família era apenas mais uma mancha de seu passado...o único que lembrava ou o único que não conseguia esquecer.
Morte da mãe
Casa grande demais sem ela
Ninguém era ela
Rua
Ninguém tenta ser
A dor deve ser menor
Fuga
Não é menor
Insegurança
Medo
Noites de vigília
Silêncio
Solidão
A rua acolhe a todos
E de repente num dia comum aconteceu de ir fazer um roubo incomum, que gerou uma situação rara... E ele viu ali sua única chance.
O bandido mantém os passageiros do ônibus 174 (Central - Gávea) de reféns, a polícia está do lado de fora, e desde o início, contida pela presença das câmeras de TV. É estabelecido um contato com a mancha daquele dia bonito. O Mancha ganha um nome: Sérgio, mas ele já tem um nome – Sandro – no entanto o negociador lhe impôs este personagem, deu-lhe individualidade, mas logo a roubou fazendo dele outra pessoa... Isso não tinha tanta importância naquele momento, pois sabia que os atos eram seus e isso já bastava para que se sentisse bem, estavam realmente olhando para ele, não o estavam ignorando como no dia anterior e em todos os dias anteriores aquele. Ele estava sendo visto, e apesar de nervoso, confuso, e com um comportamento compulsivo; ele estava adorando.
Se ele estava sobre o efeito de drogas no início do crime? Não importa. Não seria surpresa, não é mesmo? Não se tem muitos meios de esquecer-se nas ruas que não entrando em sua mente e transformando tudo em felicidade; para eles é o único modo de ficar feliz sozinho ou encontrar algo bonito dentro de si, um ponto de fuga... Mas isso também não importa por que ele é um bandido! Bandidos usam drogas, não é mesmo?
Tanto choro, tanto medo, já não dava para voltar atrás, estava apenas cumprindo seu papel de bandido, assim como a polícia o seu papel de garantir uma solução para a situação, a imprensa o papel de exibir tudo do modo mais sensacionalista e vendável possível, e o povo em volta, fazendo o papel de povo: revoltado, mas contido; impotente.
‘‘ Ei, você é estudante?’’
‘‘ Sim, sou. ’’
‘‘ Então vai que você deve estar atrasado para a escola. ’’
Ele sabia a importância dos papéis sociais, não na teoria como nós, claro, mas ele sabia como era importante estudar coisa que não fez, não teve chance; sem família, sem educação, sem trabalho, cheio de lembranças vívidas da morte de sua mãe, de como a polícia pode ser covarde e letal assim como foi na "chacina da Candelária" em que ele estava presente, mas conseguiu sobreviver e do inferno que era e ainda é a prisão neste país: os maus tratos, as agressões, as humilhações, o terrorismo psicológico... Não, com certeza ele não iria voltar para lá, mas também não parecia preocupado em buscar meios de fugir daquela situação no ônibus, não ainda...
Era seu momento e seu personagem deveria brilhar; ameaças, tiros para o alto, ofensa à crença das pessoas quando se dizia vinculado ao Diabo. Sabia que assim olhariam mais para ele.
‘‘ Sabe quem é a maior vítima disto aqui? Você’’. Uma moça disse para ele.
Não exigiu nada, já tinha tudo ali: atenção, poder, adrenalina e a certeza de que cumpria a promessa que fez a sua segunda mãe: ‘‘ Eu vou ser famoso’’.
Segunda mãe? Como assim?
Ele encontrou uma senhora que conseguiu não ignorá-lo. Ele deve ter relutado, mas acabou por se aproximar e resolveu experimentar o que era ter uma mãe, um lar, uma vida reta, enfim, sentir-se em casa de novo. Descobriu que o tempo deixa marcas que só o tempo pode sanar: depois de tantos anos dormindo ao relento nas calçadas, ele de novo sentiu-se Sandro, o menino, no entanto, não conseguia mais dormir numa cama, algo rapidamente resolvido; a insegurança lhe obrigava a ficar com a janela aberta para uma fuga iminente e para não sentir-se novamente trancafiado numa prisão. Era difícil crer que tudo aquilo fosse verdade, difícil demais.
O número de fotógrafos e repórteres crescia e com isso sua sensação de segurança também, afinal quem atiraria nele com as emissoras de TV transmitindo tudo ao vivo? Aquele povo todo queria um show e era isso que ele daria, era o personagem principal de uma "novela" que ele ia "escrevendo" e fazendo acontecer ali ao vivo; mesmo porque, é difícil exigir que alguém como ele obedeça as leis e normas de uma sociedade para a qual ele não existe, então ele gritava, xingava, ameaçava e obscurecia aquele dia outrora bonito. Ordenou que os passageiros chorassem, gritassem e fizessem um drama ainda maior do que já lhes parecia, pois quanto maior o medo que ele parecia impor dentro do ônibus, maior o medo e a raiva fora dele, principalmente a raiva, mas ele acreditava que o medo fosse maior, o que aumentava seu já garantido poder.
Prometeu aos passageiros que não mataria ninguém, no entanto seria mais intenso assim... Simulou um assassinato em frente às câmeras, atirando para baixo logo depois de obrigar uma das passageiras do ônibus a deitar-se no chão. A não ação da polícia criava um clima ainda mais tenso, inclusive entre os policiais, que queriam agir e se achavam prontos para tal, mas a ordem não vinha, pois o líder da operação seguia ordens ‘‘de cima’’, pode ser esse um dos motivos para os sucessivos erros por parte da policia: um descaso com o cerco de segurança para evitar que a população e a imprensa se aproximassem demais... Muita coisa para se pensar.
Mudança no roteiro; estava tarde e algo precisava ser feito ou nunca sairia de lá, então foi o que fez: sem nenhum aviso prévio ou sinal de que ia fazê-lo, pegou Geisa (20 anos), seu único desafeto dentre os passageiros e desceu do ônibus com a arma apontada para a cabeça dela. Os policiais não esperavam isso e pareciam meio perdidos. Bastou um erro para que a moça fosse atingida na cabeça a queima roupa por um policial ao vivo pela televisão!
Comoção geral. O ápice da história de Sérgio, interpretada por Sandro, ele foi contido, não antes de atirar algumas vezes tentando atingir os policiais, mas os tiros atingiram a moça. Ele foi linchado, pois o deficiente pseudo cordão de isolamento não conteve a fúria do povo. Todos queriam ‘‘um pedaço dele’’, queriam rechaçar o Diabo, se livrar do medo matando seu algoz. O show acabou ali, pelo menos para Sandro que morreu no camburão frente às câmeras em nome de Sérgio – seu personagem, sua máscara - para que o Brasil todo pudesse ver.
Foi morto pela polícia, pelo ódio que emanava naquele lugar. Era um policial quem lhe apertava o pescoço até morrer, mas é como se todos os presentes o estivessem fazendo.
Nossa sociedade cresceu territorialmente com o derramamento de sangue indígena, desenvolveu-se com o sangue do trabalho escravo e ainda hoje depois de alcançar o espaço e se orgulhar tanto da racionalidade do homem, ainda se vê carente do derramamento de sangue para sentir-se bem e fazendo justiça.
‘‘Uma má ação não equilibra nem justifica outra’’
2 comentários:
Ainda caímos no pensamento de que 'os meios justificam os fins'
e por vezes, os 'meios' são anti-éticos
uhmmm legal o texto
meio confuso mas legal
abraços
http://blogaragem.blogspot.com/
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