sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A SOLETRADA HISTÓRIA DE OYAÊ

I-N-Í-C-I-O
Era uma vez um menino que não tinha nome por que seus pais eram muito pobres e não podiam pagar nem mesmo duas letrinhas de cartório... Ele juntou forças e foi trabalhar na roça de um fazendeiro rico para ter um nome só dele.

Trabalhou bastante mas só recebia algumas moedas por semana por que seu patrão dizia que ele estava devendo a moradia, a comida, a roupa... Como era um bom moço, não queria ficar endividado e pagou tudo que seu patrão disse. Precisou de dois anos de trabalho juntando moedinhas para conseguir comprar um nome. Escolheu o nome mais bonito que já tinha ouvido na vida: Sebastião.

Não tinha sobrenome. O dinheiro não deu pra tanto, mas Sebastião pensava esperançoso: “daqui há uns oito anos...”

Dois meses se passaram e Sebastião descobriu que seus pais morreram de uma febre que mata os velhos todos de onde veio. Eles eram pobres e não tinham dinheiro nem para os caixões e enterros decentes. Dada a urgência e não havendo outro modo, Sebastião vendeu parte de seu nome para enterrar seus pais. Depois daquela tarde quente de fritar ovo ainda na galinha ele saiu entristecido para a cidade procurar emprego e começar uma nova vida.

Elá foi tião (com t minúsculo mesmo) pisando nas dores, saindo do lugar onde cresceu, mas que nunca foi seu.

Até os tropeiros do caminho diziam '”Tchau tião, vai atrás de otro chão”

E ele foi.


D-E-S-C-O-B-E-R-T-A
tião fez dinheiro rápido na cidade por que era muito forte. Ele era aplicado, mas o trabalho era bem pesado. Gente da cidade trabalha em escritório, mas a pessoa que é é forte e vem de fora logo arruma emprego e dinheiro como peão.

Aprendeu que peão tem abaixo o trabalho e acima o patrão.

Um dia descobriu que isso não era bem assim, pois seu patrão que era da cidade também era peão de alguém, porque também tinha um patrão.

Um dia sofreu um acidente de trabalho e teve de ir ao hospital. Para distraí-lo da dor seu patrão puxava conversa de tudo até falar de seu próprio patrão que veio de origem humilde como tião. Contou que seu patrão quando moço era muito doente e ia morrer, mas uma preta velha benzedeira ensinou que se conseguisse trocar o nome por um de sorte, só o nome velho morreria. tião quase teve um troço quando descobriu que o patrão de seu patrão se chamava Sebas. Senhor Sebas.

Daí pra frente sua cabeça nunca mais foi a mesma. Endoideceu, coitado. Sua memória ficou tão eficiente quanto um pisca-pisca velho.

Nunca mais voltou para aquele emprego. Saiu sem rumo dizendo que ia voltar pra roça onde as galinhas já botam ovo cozido de tão quete que é.

E foi.


M-E-L-A-N-C-I-A
Existe um bairro no subúrbio de São Paulo dominado pela criminalidade. Um lugr onde a justiça é feita pelos próprios moradores, sejam os integrantes de gangues ouos injustiçados justiceiros. Um lugar onde se more por olhar alguém no rosto, onde se é espancado por falar ou pregar sobre Deus, onde se é expulso se for estrangeiro, gay, poeta ou carteiro.

- Poesia de cu é rola!
- Carteiro tem boa memória pra gravar rua e nome. Pode ser policial ou se juntar a algum deles.

Aí cresceu Elisabete, menina pobre, filha de puta com pastor evangélico. Até os dez anos andava com freio de cavalo improvisado na cara para olhar só para frente e ainda assim de cabeça meio baixa.

Numa noite a mãe de Elisabete estava drogada e numa crise de arrependimento e raiva, atacou acriança comum melancia na cabeça!

A menina sangrava muito e uma vizinha se ofereceu a levá-la a um hospital, mas não seria de graça: ela cobrou e conseguiu uma parte do nome da menina que ao acordar no hospital já atendia apenas por bete (com b minúsculo mesmo).

Sua vizinha Elisa (que nome bonito pensava a menina) disse para a menina que os injustiçados justiceiros atacaram sua mãe pelo que ela fez e daquele dia em diante bete seria criada como a oitava filha de Elisa.

A menina senti-se a pior coisa do mundo e para não sentir-se assim, se desligou dele. Passou a ser a pessoa mais distraída que aquele estado já viu.

Cresceu então feliz.

Alheia ao mundo, mas feliz.


O M-E-N-I-N-O
A TV está ligada e um fruta chacoalha freneticamente em cose ao som de uma batida forte e uma letra repetitiva.

Era outra vez um menino chamado “menino”. Esse não era seu nome de verdade, justamente por ele não ter nome nenhum e ninguém ter se preocupado em lhe dar um.

Seu pai era muito esquecido. Um dia foi comprar sorvete e esqueceu de voltar pra casa. Esqueceu que era casado e juntou-se com uma mulher. Esqueceu que sua primeira esposa esquecida já havia lhe dado um menino e colocou o nome de seu novo filho de Júnior. Um dia esqueceu de acordar e foi enterrado como morto. Esse nem é o verdadeiro final da história dele, mas devo confessar... Esqueci.

Sua mãe – só pra fazer um par perfeito – era muito distraída. Um dia voltando do trabalho nem notou que o sinal estava vermelho para ela e nem havia notado que as buzinas queriam chamar sua atenção. No banco sempre ficava indignada com o apito da porta por conta da platina em seu joelho depois do sinal vermelho. Usava roupas de inverno no verão e comia queijo e goiabada sem goiabada. Um dia lhe disseram que sua bolsa rompeu, e nem se dando conta de que estava grávida de nove meses foi a uma butique comprar uma bolsa nova! Levaram-na a um hospital e ela teve um lindo menino
que nem se deu conta dele ter batizado com nome algum. Um dia foi a quitanda no centro da cidade e levou embora pra casa em seu carrinho uma pequenina melancia enquanto seu menino chorava de fome numa prateleira de frutas, pois ela nem se deu conta de que ele tinha fome.

Dali pra frente estes três nunca mais se veriam, mesmo por que o filho não os reconheceria, o pai teria esquecido que é homem e estaria vestido de Carmem Miranda HiTech, já a mãe veria as frutas na cabeça dele e ficaria com a sensação de ter que lembrar de algo,mas logo teria sua atenção voltada para uma embalagem qualquer de doce no chão. Assim fica mesmo difícil!

O dono da quitanda bem que tentou devolver o menino a sua mãe, mas como ela já o havia esquecido em outros dezessete lugares, ele decidiu trocar o menino por outra melancia.

O quitandeiro Manoel decidiu ainda não colocar nome nenhum no menino para o caso de não confundir a criança quando e se a mãe dele voltasse. Além de não ser filho seu para ter de fazer uma escolha tão importante.

Chamava e Menino Melancia, ou só MM.

Quando já era grandinho para entender as coisas, Menino pediu para não ser chamado de Melancia. Menino só tá bom.

O sonho secreto de Menino era ter um nome, então pesquisou e descobriu que o lugar onde se ganha nomes é no cartório. Arrumou então um estágio no Cartório Local para conhecer vários nomes e escolher o mais bonito ou invetar um só para ele.

A vida é cheia de descobertas e a que mais animou o já rapaz Menino foi a seguinte: As pessoas jogam muitas coisas fora. Tá, e daí? Da´que ele decidiu que é dessa forma – pegando o que os outros jogam fora que teria um nome. Cada letra, nome do meio ou sobrenome que as pessoas recusassem, ele pegaria.

- Bom dia qual o nome da criança?
- Edmundo.
- Hum... D mudo não é mesmo?
- É sim.
- Eu poderia ficar como i que você não quer?
- O quê?
- O i de “Edimundo”, digo Edmundo.
- Tá, tá, mas anda logo que ainda vamos ao shopping hoje.
- Tá. Obrigado pelo i.

E a pessoa saía pensando: “coitadinho desse aí, não bate bem”.

Um dia quiseram batizar uma menina de Karlla Kamylla – com K, Y e dois L em cada nome! Que barganha foi esse dia! Depois de uns palavrões o nome ficou com um K só em Kamila que inclusive perdeu o A ficando Kmila e com um L só. Esse dia ganhou um K, um A e dois L.

Depois de seis meses no emprego, apesar de achar muito divertido por conta os mais variados nomes que conhecia, o Menino pediu para sair.. Fe suas contas, pagou o ue devia e com o ue restou aida conseguiu comprar o nome que havia escolhido só pra ele. Daquele dia em diante se chamaria Otoiatro Yracemo Aurelino Elviro Braulino Ferrolho Doravante Pinto Onofre Otonogildo de Kall Júnior. Mas no final as pessoas não acreditavam que era seu nome de verdade ou não conseguiam decorar tudo isso. Ele decidiu então abreviar os primeiros e criar um apelido universal: Oyaê.

- Mas me diz uma coisa – começou seu ex patrão ao registrar o quilométrico nome.
- Diga – respondeu super contente Oyaê.
- Júnior não quer dizer que o nome é igual ao do pai?

Oyaê ajeitou-se na cadeira e respondeu triunfante:
- O Júnior, só quer dizer que já tive um.

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