O primeiro momento relacionado a esse conto está no link abaixo:
Certas Lições São Pra Sempre - O Tempo Não Espera:
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Existiu um tempo em que o mundo era normal. Quando crianças eram crianças e adultos eram adultos. Onde velhos eram velhos e quando ainda se preferia sentar junto e conversar em família a sentar junto para ver televisão.
Um tempo onde ouvir um adulto contar uma história era algo instigante e acolhedor...
Em memória há tempos como este desenterro uma história que sempre me faz bem lembrar. Vou alterar alguns pontos pra florear esse conto, mas em sua essência é exatamente como eu ouvia toda vez.
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Bernardo foi para a cidade quando jovem depois da morte de seu pai. Arranjou um trabalho e com o passar do tempo retomou os estudos que tanto prezava.
Estava sozinho no mundo, todavia cumpriu parte de seu objetivo na vida e tornou-se um policial para acabar com desordens em locais públicos que podem deixar feridas pessoas inocentes – como ocorreu com seu pai a tantos anos atrás.
Conheceu uma moça – Idalina era seu nome – e com ela começou a namorar como mandava a tradição – Bernardo aprendeu a respeitar as tradições e os conselhos dos mais velhos. Não demorou para que se casassem e menos ainda para que tivessem um filho logo tinham terminado de comprar a casa nova num bairro costeiro da cidade, o bairro de Pombal. Deu ao menino o nome de seu pai: Fabrício.
Eram enfim uma família, mas como estamos falando de uma história que se passa numa cidade quase do interior e num tempo onde não haviam preservativos em qualquer farmácia... Mais filhos vieram...
Ter um filho por ano é algo um tanto difícil de administrar, mas o que realmente assustava e frustrava o então senhor Bernardo era quando os mais velhos já sabendo falar perguntavam algo como:
- Papai de onde vem os neném?
Já havia cinco crianças na casa; Fabrício, o mais velho tinha 11 anos e ainda não tinha resposta para essa pergunta – Depois vinha Aninha com 10, Edmundo com 9, Flora com 7 e Feliciano com 6 anos.
Bernardo não sabia outro modo de dizer, mas lembrou-se então das palavras de seu pai em seu leito de morte quando o mandou embora de casa:
PAI – Mais triste que isso que to fazeno é ter tirado sua criancice. Me promete que vai ter fios e dá eles todo amor e liberdade pra ser criança enquanto tiver que ser. Me promete? Me promete que eles vão ser só criança até a hora de virar adulto?
Repetiu pra si mesmo baixinho: “ser só criança até a hora de virar adulto”.
Era assim que criaria seus filhos, mas não deixaria uma pergunta sem resposta. Aprendeu em outra ocasião que quando não responde uma pergunta direta: dá o direito da pessoa que perguntou de inventar uma resposta que terá de ser aceita como verdade por falta de uma verdade. Seus filhos teriam então uma verdade sobre o nascimento dos seus irmãos, mas não uma verdade adulta e não naquela hora.
Acontece que dessa vez a pergunta surgiu porque alguma das crianças ouviu uma conversa entre Bernardo e Idalina sobre o filho que ela estava esperando a pouco mais de três meses. O então senhor, respirou fundo, se abaixou para ficar na altura dos olhos de seu filho e respondeu:
BERNARDO – Olha meu filho, fica tranqüilo que eu vou acertar umas coisas e vou mostrar pra vocês todos de uma vez só, de onde vem os neném, ta bom?
O menino abriu um sorriso gigante. Sabia que era verdade por que seu pai nunca esquecia nada. E era verdade mesmo.
Poucos meses depois Bernardo conseguiu comprar um jipe usado pra sair com a família nos finais de semana, mas ele tinha outra coisa em mente quando comprou... Queria levar Idalina para ter seu filho num hospital pela primeira vez, pois todos os cinco filhos nasceram com o auxílio de uma parteira na cama do casal.
Idalina estava pronta para ter seu bebê, mas ela se recusou a ir para o hospital por que não queria que nenhum outro homem visse “suas partes”. Estava irredutível. A casa estava cheia de crianças correndo de um lado para o outro em festa por que novamente algum deles ouviu que este seria o dia da chegada de seu irmãozinho ou irmãzinha. A parteira estava nervosa com a gritaria e foi quando Fabrício voltou para seu pai e perguntou:
FABRÍCIO, O FILHO – Pai. Meu irmão vai chegar hoje, mas de onde que ele vem?
Num lampejo criativo Bernardo sorriu.
BERNARDO – Vem Fabrício se arruma! Se arruma que nós vamos pegar seu irmão que ta chegando antes que sua mãe grite de vontade de abraçar ele!
E começou a juntar as crianças e a arrumá-las.
BERNARDO – Todo mundo criançada! Rápido que a gente não pode demorar aqui senão perde a chegada do seu irmãozinho!
Conduziu as cinco crianças até o jipe. Beijou sua mulher que entendeu em silêncio o esforço para tirar as crianças da casa e voltou apressado para o automóvel.
FABRÍCIO, O FILHO – Onde a gente vai pegar ele papai?
BERNARDO – Deixa de ser besta menino, no aeroporto, oras!
Isso mesmo, no aeroporto!
Bernardo ligou o carro e saiu com uma velocidade de uns 10km maior que os outros carros na estrada. Disse às crianças que estava indo muito rápido e que não poderiam fazer bagunça até chegar lá pra não perderem o avião de seu irmão!
Explicou que Deus vê que o pai gosta da mãe e dá um filho de presente. Daí coloca ele num avião lá no céu com tudo pago e manda pra casa da gente. As crianças ficaram encantadas com a descoberta maravilhosa: Papai do céu da um filho dele para o papai!
Depois de dar algumas voltas no bairro do aeroporto e de ludibriar as crianças com cada avião que passava pelo céu, Bernardo finalmente decidiu parar no aeroporto. Tudo era mágico! O chão brilhoso, as divisórias de vidro, os uniformes engraçados dos funcionários e é claro os aviões! Ah! Nunca houve brilho mais intenso que o que emanava daqueles dez olhinhos colados no vidro olhando a pista com os aviões parados, taxe ando, pousando e partindo rumo ao céu! Bernardo ficou um pouco mais de longe observando suas marcas no mundo, seus frutos do amanhã; enquanto as crianças olhavam abismadas o vôo dessas aves gigantes de metal e se perguntavam coisas que somente crianças iriam querer saber:
- Será que todos eles vão para a casa do Papai do céu?
- Claro que não. Alguns vão descansá numa árvore grandona ou então naquela nuvem lá ó!
- Será que o vô Fabrício foi embora em qual desses?
- Eu acho que naquele ali que tem a linha azul, por que azul é pra menino e rosa e vermelho é pra menina...
- Onde tão os ovos do avião mãe?
- É... Eu também não vi nenhum ovo de avião...
- Seu burro! Avião num bota ovo! Bota elicópitu!
- Como nosso irmãozinho vai descer se ele num sabe andar?
- O avião vai abaixar bem baixinho pra ele num caí eu acho...
Bernardo não sabia como estavam as coisas em sua casa, mas torcia e rezava baixinho pra que tudo estivesse bem. Viu que as crianças estavam inquietas e decidiu voltar pra casa com elas. Já havia dado tempo o bastante... Pelo menos tanto tempo quanto levou todos os cinco partos anteriores a este...
BERNARDO – Ei meninos! Vem aqui...
As crianças vieram afoitas como manda a idade.
BERNARDO – Eu perguntei ao moço do aeroporto e ele me disse que se o menino não chegou até agora é por que ele não vem mais hoje...
A menor das duas meninas salientou:
FLORA - Ele pode ter descido antes pai...
BERNARDO – Meu anjo. Eles num deixa em qualquer lugar... Tem que ser onde o pai ou a mãe pode pegar, entendeu?
Os outros riram da “ingenuidade” de Flora.
No caminho de volta pra casa era nítido que as crianças estavam um tanto quanto decepcionadas ou mesmo tristes com a não-chegada do irmão, mas foram reanimados pelo pai que começou a contar histórias de cada um deles quando ainda menor. Que tarde gostosa foi aquela de volta pra casa!
Chegando em casa a porta da casa ainda estava fechada. Bernardo pediu para que as crianças esperassem no carro enquanto ia ver “uma coisa”...
Voltou poucos minutos depois com uma cara de besta e um sorriso de pendurar as orelhas:
BERNARDO – Ele chegou crianças! Ele chegou!
Foi uma explosão. Todos gritaram de alegria e pularam nos bancos do carro; e na base das cotoveladas e empurrões correram todos para dentro...
Lá estava dona Idalina... Deitada, fraca, mas sorridente e com um pedacinho de gente no colo. Um pedacinho rosa de gente; o novo fruto do então senhor Bernardo!
Estavam todos felizes e eufóricos.
A parteira saiu na surdina, mas esqueceu-se de um detalhe importante: os lençóis sujos no canto!
Aninha em meio a sua comemoração encontrou os lençóis ensangüentados escondidos no canto do quarto e gritou de medo. Pensou que de algum modo o sangue fosse dela. Idalina de pronto para acalmar a filha disse que o sangue não era da criança, mas dela mesma e antes que a fantasia se desfizesse Bernardo interrompeu sua mulher e disse:
BERNARDO – Flora... Você desculpa o papai? Eu falei uma coisa pra você e nem sabia que você que tava certa... A gente foi esperar seu irmãozinho lá no aeroporto, mas quando o avião passou aqui por cima da casa, seu irmãozinho viu sua mãe lá de cima e pediu pra descê. Daí jogaram ele lá de cima.
As crianças fizeram um sonoro “Oh!” em coro...
BERNARDO – Como sua mãe tava esperando a gente trazer ele do aeroporto, ela nem agarrou ele direito quando caiu do céu e aí se machucou. Por isso tem pano sujo de sangue ali, mas agora ta tudo bem né Idá?
IDALINA – É sim Nardin. É sim...
BERNARDO – Então vamos chamar esse molequinho de Alberto. Que nem o Santos Dumont. Tudo bem gente?
CRIANÇAS - Tudo!!!
BERNARDO - E viva o Alberto!
CRIANÇAS – VIVA!!!
***
E foi assim que aconteceu o nascimento de Alberto, o último filho de Bernardo e Idalina.
O mágico da história está não na invencionice em si – na capacidade de improviso de Bernardo talvez – mas no fato das crianças terem comprado à história. Acreditaram fielmente, e assim foi até terem idade o bastante para descobrir outras histórias de onde vêm os bebês e terem seus próprios bebês!
Que saudade e inveja de tempos como estes...
Que as crianças do futuro possam ser realmente crianças e que possamos ajudá-las com isso!
Abra bem os olhos e sorria, pois ainda é possível fazer isto.
Um comentário:
Albino,eu ainda sou capaz de encontrar crianças que ainda são crianças....é triste quando você vê que elas estão se descaracterizando quando colocam um salto aos 6 anos de idade,quando querem ser adultas apenas para agir como adultos.Como eu sou originário do interior(quando eu digo interior eu digo interior mesmo,com 3 mil habitantes)estou apto a dizer que lá ainda há a inocência,ainda existem as brincadeiras de roda,queimada e o quase extinto passa o anél.Lá as crianças vão à missa aos domingos com suas respectivas famílias e se vestem de anjos no mês de maio....lá o cinza dessa sociedade porca ainda não manchou a pureza anil natural da infância....
Segunda vez no seu blog...questões levantadas sempre bem atuais...parabéns...pode deixar que eu sempre volto...abraço
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