Por que ser árvore se posso ser folha e voar quando ficar experiente?
Sempre quis fugir de casa.
Vez por outra me sinto sobrando onde estou: As cores se desbotam ou me ofuscam; as vozes me cansam ou me irritam e os lugares me parecem repetidos e sem graça como um tabuleiro de xadrez que não serve para mais nada além de uma partida de Damas de quando em quando.
Queria não me sentir como se tivesse 300 anos e precisasse fugir para não notarem que não envelheço... Às vezes parece que minha cabeça envelhece vários anos em um só ciclo solar. As coisas são muito mais simples quando se é criança... A menos que seja uma criança de 7 anos com uma cabeça de 35.
Pois bem, quando se é criança (independente da idade da cabeça), é agraciado com uma capacidade de agir por impulso: Se quer; faz, fala; não pensa ou filtra, apenas age. E foi no exercício dessa capacidade que vivi minhas mais diversas peripécias e fugas.
Era preciso apenas algo (minúsculo que fosse) para motivar minha jovem mente conturbada e precoce a entrar em crise de “ninguém me ama; ninguém me quer; esse lugar não é minha casa e essa gente não é minha família” parta então tramar e executar mais uma de minhas fugas... Sempre buscava a fuga definitiva. Queria pular no reflexo da lua e ir para lá no céu pertinho das estrelas pra ninguém mais me achar...
Fugir era bem legal. Uma aventura: Juntava uma muda de roupa, enrolava numa toalha listrada e saía de fininho. A trouxa numa mão e um pedaço de pau na outra por que eu não sabia amarrar que nem na televisão e a trouxa sempre caia do pau... Lá ia eu contra o vento e o mundo!
Odiava tudo! Cruzava poças d’água, bancos de areia, passava por pedras cheias daquele negocinho verde que escorrega, desviava dos olhares vigilantes e finalmente lá estava eu triunfante (depois de meia hora) no portão da minha casa!
Vislumbrava como o mundo era grande depois daquele ponto toda vez. Eu nem sabia que existia a rua do fundo ou uma escadaria gigante do lado da casa da minha vizinha! Nunca havia ido tão longe sozinho... E era justamente quando sentia esse gostinho de liberdade que as formiguinhas da minha barriga começavam a se agitar, daí qualquer som mais alto, carro estranho, sacola voando com o vento, homem feio ou latido de cachorro me fazia tremer de medo e voltar correndo para casa. Correndo e chorando.
Sempre chegava desconsolado às pernas murchas de gente grande de minha mãe que nem teve tempo para sentir minha falta e pedir todas as desculpas do mundo a ela. Ela, hora confusa, hora sabida desculpava e consolava.
Certa tarde meu mundinho de 7 anos (ou seria 35?) implodiu. Quanta raiva eu senti, quanta vontade de ir embora pra outra casa ou outra família ou morar sozinho na lua da poça d’água... Mas eu já estava esperto; sabia que não adiantaria fugir assim... Eu voltaria ou seria pego no caminho então tramei o mais engenhoso de todos os planos, que era seguinte:
Joguei um de meus chinelos por cima da cerca e deixei o outro perto dela, assaltei a geladeira e peguei tudo que precisava para me alimentar nos tempos difíceis que viriam: um pedaço de lingüiça, um tomate (que jurava ser uma maçã), um ovo e um pão; tudo isso enrolado em minha inseparável toalha listrada com minha muda de roupa (escolhida ao acaso) e por fim me escondi embaixo do sofá! Essa era a parte principal desse plano: Todo mundo ia dar falta de mim, iam achar o chinelo plantado, achariam que fugi e sairiam para me procurar e quando a casa estivesse sozinha eu sairia vitorioso debaixo do sofá e ganharia o mundo já que não adiantaria voltar para casa por que ela estará vazia e isso era uma das milhares de coisas que eu tinha medo. Eu ganharia o mundo (ou a casa da vizinha que não estaria vazia)! Pensei em tudo! Que gênio do crime eu era...
Esperei os adultos se distraírem com seus assuntos de gente grande e me esquecerem (coisa fácil) e então coloquei em prática meu grande plano: plantei os chinelos como pista falsa e me enfiei debaixo do sofá com minha trouxinha listrada.
Lembro como fiquei putinho da vida quando já tinham passado 2 longos minutos e ninguém apareceu. Daí resolveram assistir o jornal na TV (como eu queria afogar no Nescau quem inventou o jornal na TV, coisa chata!) e eu ali embaixo quieto, criminoso, irrequieto, vitorioso!
Só via as pernas grandes e murchas da minha mãe e minha vó de frente para a estante por debaixo do sofá... Uma delas tava com chulé, mas não quis descobrir qual; me afastei mais para o canto.
Por que as coisas que os adultos gostam têm de demorar tanto? Droga de jornal!
Cansei. Chorei e para não dar ouvido as formiguinhas... Dormi.
Acordei. Não havia mais pernas murchas e chulesentas na minha frente, apenas a estante com a TV desligada... Eu estava sozinho...Deu certo! Liberdade! Viva!!
Juntei as coisas. Espremi a trouxinha (quebrei o ovo) e saí debaixo do sofá e corri para a porta da cozinha... Ouvi vozes! Minha mãe e avó estavam voltando! Dormi demais... Corri para debaixo do sofá e lá fiquei quietinho...
Elas sentaram nele e vi que as pernas grandes de minha estavam tremendo e ouvi que ela estava chorando... Assustada... Preocupada... Nunca vi minha mãe chorar antes...
Daí um monte de formiguinhas começaram a se remexer freneticamente dentro da minha barriga e me deu muita vontade de chorar. Chorei.
Saí debaixo do sofá e foi uma festa! Nem levei bronca; só beijo e carinho, incrível!
Foram ótimos os meses que seguiram a esse episódio... Mas era mesmo um ótimo plano.
Um plano perfeito jogado fora, mas não tinha problema, pois eu tentaria de novo assim que elas esquecessem só que desta vez sairia pela janela da sala e não pela porta da cozinha e assim foi...
Resultado: Fui pego, levei bronca, apanhei, fiquei de mal das formiguinhas da minha barriga e desisti dessa história de fugir de casa...
Ta bom! Se dessa vez falhar e eu ser flagrado dentro dessa lixeira aí sim eu desisto, mas até lá... Toma açúcar formiguinha, toma. Come tudinho e me cala a boca vai...
Sempre quis fugir de casa.
Vez por outra me sinto sobrando onde estou: As cores se desbotam ou me ofuscam; as vozes me cansam ou me irritam e os lugares me parecem repetidos e sem graça como um tabuleiro de xadrez que não serve para mais nada além de uma partida de Damas de quando em quando.
Queria não me sentir como se tivesse 300 anos e precisasse fugir para não notarem que não envelheço... Às vezes parece que minha cabeça envelhece vários anos em um só ciclo solar. As coisas são muito mais simples quando se é criança... A menos que seja uma criança de 7 anos com uma cabeça de 35.
Pois bem, quando se é criança (independente da idade da cabeça), é agraciado com uma capacidade de agir por impulso: Se quer; faz, fala; não pensa ou filtra, apenas age. E foi no exercício dessa capacidade que vivi minhas mais diversas peripécias e fugas.
Era preciso apenas algo (minúsculo que fosse) para motivar minha jovem mente conturbada e precoce a entrar em crise de “ninguém me ama; ninguém me quer; esse lugar não é minha casa e essa gente não é minha família” parta então tramar e executar mais uma de minhas fugas... Sempre buscava a fuga definitiva. Queria pular no reflexo da lua e ir para lá no céu pertinho das estrelas pra ninguém mais me achar...
Fugir era bem legal. Uma aventura: Juntava uma muda de roupa, enrolava numa toalha listrada e saía de fininho. A trouxa numa mão e um pedaço de pau na outra por que eu não sabia amarrar que nem na televisão e a trouxa sempre caia do pau... Lá ia eu contra o vento e o mundo!
Odiava tudo! Cruzava poças d’água, bancos de areia, passava por pedras cheias daquele negocinho verde que escorrega, desviava dos olhares vigilantes e finalmente lá estava eu triunfante (depois de meia hora) no portão da minha casa!
Vislumbrava como o mundo era grande depois daquele ponto toda vez. Eu nem sabia que existia a rua do fundo ou uma escadaria gigante do lado da casa da minha vizinha! Nunca havia ido tão longe sozinho... E era justamente quando sentia esse gostinho de liberdade que as formiguinhas da minha barriga começavam a se agitar, daí qualquer som mais alto, carro estranho, sacola voando com o vento, homem feio ou latido de cachorro me fazia tremer de medo e voltar correndo para casa. Correndo e chorando.
Sempre chegava desconsolado às pernas murchas de gente grande de minha mãe que nem teve tempo para sentir minha falta e pedir todas as desculpas do mundo a ela. Ela, hora confusa, hora sabida desculpava e consolava.
Certa tarde meu mundinho de 7 anos (ou seria 35?) implodiu. Quanta raiva eu senti, quanta vontade de ir embora pra outra casa ou outra família ou morar sozinho na lua da poça d’água... Mas eu já estava esperto; sabia que não adiantaria fugir assim... Eu voltaria ou seria pego no caminho então tramei o mais engenhoso de todos os planos, que era seguinte:
Joguei um de meus chinelos por cima da cerca e deixei o outro perto dela, assaltei a geladeira e peguei tudo que precisava para me alimentar nos tempos difíceis que viriam: um pedaço de lingüiça, um tomate (que jurava ser uma maçã), um ovo e um pão; tudo isso enrolado em minha inseparável toalha listrada com minha muda de roupa (escolhida ao acaso) e por fim me escondi embaixo do sofá! Essa era a parte principal desse plano: Todo mundo ia dar falta de mim, iam achar o chinelo plantado, achariam que fugi e sairiam para me procurar e quando a casa estivesse sozinha eu sairia vitorioso debaixo do sofá e ganharia o mundo já que não adiantaria voltar para casa por que ela estará vazia e isso era uma das milhares de coisas que eu tinha medo. Eu ganharia o mundo (ou a casa da vizinha que não estaria vazia)! Pensei em tudo! Que gênio do crime eu era...
Esperei os adultos se distraírem com seus assuntos de gente grande e me esquecerem (coisa fácil) e então coloquei em prática meu grande plano: plantei os chinelos como pista falsa e me enfiei debaixo do sofá com minha trouxinha listrada.
Lembro como fiquei putinho da vida quando já tinham passado 2 longos minutos e ninguém apareceu. Daí resolveram assistir o jornal na TV (como eu queria afogar no Nescau quem inventou o jornal na TV, coisa chata!) e eu ali embaixo quieto, criminoso, irrequieto, vitorioso!
Só via as pernas grandes e murchas da minha mãe e minha vó de frente para a estante por debaixo do sofá... Uma delas tava com chulé, mas não quis descobrir qual; me afastei mais para o canto.
Por que as coisas que os adultos gostam têm de demorar tanto? Droga de jornal!
Cansei. Chorei e para não dar ouvido as formiguinhas... Dormi.
Acordei. Não havia mais pernas murchas e chulesentas na minha frente, apenas a estante com a TV desligada... Eu estava sozinho...Deu certo! Liberdade! Viva!!
Juntei as coisas. Espremi a trouxinha (quebrei o ovo) e saí debaixo do sofá e corri para a porta da cozinha... Ouvi vozes! Minha mãe e avó estavam voltando! Dormi demais... Corri para debaixo do sofá e lá fiquei quietinho...
Elas sentaram nele e vi que as pernas grandes de minha estavam tremendo e ouvi que ela estava chorando... Assustada... Preocupada... Nunca vi minha mãe chorar antes...
Daí um monte de formiguinhas começaram a se remexer freneticamente dentro da minha barriga e me deu muita vontade de chorar. Chorei.
Saí debaixo do sofá e foi uma festa! Nem levei bronca; só beijo e carinho, incrível!
Foram ótimos os meses que seguiram a esse episódio... Mas era mesmo um ótimo plano.
Um plano perfeito jogado fora, mas não tinha problema, pois eu tentaria de novo assim que elas esquecessem só que desta vez sairia pela janela da sala e não pela porta da cozinha e assim foi...
Resultado: Fui pego, levei bronca, apanhei, fiquei de mal das formiguinhas da minha barriga e desisti dessa história de fugir de casa...
Ta bom! Se dessa vez falhar e eu ser flagrado dentro dessa lixeira aí sim eu desisto, mas até lá... Toma açúcar formiguinha, toma. Come tudinho e me cala a boca vai...
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