segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Capítulo Osasco (Parte 1) - A Viagem



Namoro à distância tem alguns complicadores: a distância, por exemplo.

Tudo se amplia quando se está longe. E como não ter defesas para nada: a saudade, a raiva (quando ocorre), o ciúme (como ocorre...), o respeito, os planos...

Dessa forma algumas precauções devem ser tomadas para o perdurar de uma história assim. Tenho 9 meses de namoro à distância e na minha cabeça; nada mais natural que querer apresentar nossas famílias, uma vez que pretendemos nos casar um dia (deixo essa parte em off para outra ocasião) e ela já conheceu a minha... Eu devia levar minha família até ela.

Moramos em estados diferentes e não temos muitos feriados à vista...

Dane-se!

Ela faltou serviço e faculdade, podemos, portanto retribuir o sacrifício: Eu interrompi minha rotina de ensaios (estou numa montagem teatral para dezembro), minha irmã interrompeu seu curso de eletro-sei-lá-o-quê, e minha mãe faltou a alguns dias de trabalho.

Convictos nessa idéia então se iniciaram os preparativos e depois de um longo período de preparação lá estava eu na véspera da minha viagem, aliás, não foi uma preparação tão longa assim; pelo menos a minha parte: depois de comprar meias novas era preciso apenas uns 40 minutos para arrumar a mala e conferir tudo umas 248 vezes em câmera lenta...

Mas eu não ia só e aí sim começam os embates com o tempo. Ia com duas mulheres (minha mãe e irmã) e não quero ser alguém machista nem nada assim, mas puxa vida como elas conseguem levar tanto tempo para fazer coisas que para mim na condição de homem acho simples e como têm a capacidade de enfiar tanta coisa em tão pouco espaço? E como se abarrotar um volume já não fosse o bastante... Elas não acham o bastante e arrumam mais volumes para abarrotar!

Eu me viraria com uma mochila e se muito uma sacola plástica; elas precisam de 2 malas, uma bolsa, mais as bolsas particulares, mais algumas sacolas... Ainda bem que não temos cachorro senão eu ouviria seu latido abafado no meio da viajem, coitado.

Ok, malas prontas estamos prontos para partir e como de costume com muita antecedência (paranóica feminina) partimos.

Seria uma viajem de ônibus de Vitória (Espírito Santo) para Osasco (São Paulo), não só seria como foi, todavia a viagem deveria levar 14 horas e levou quase 17 (por mais que esse valor aumente toda vez que minha irmã conta).

O percurso foi tranqüilo. Ao meu lado minha irmã que incrivelmente falou pouco (e a amo muito por isso) e atrás de nós nossa mãe e uma senhora com seus quase 70 anos que não parava de falar de Jesus e de como ela saía para evangelizar e blá blá blá. A narrativa ganhava curvas interessantes quando ela começou a dizer que a maior bênção dela foi ter ganhado uma moto e que ela saia para o interior do estado sob duas rodas evangelizando com seus panfletinhos e a palavras de Jesus! Até aí era um saco tolerável, mas quando essa mulher inventou de ouvir música em seu mp4... Caralho! Que vontade de abrir a saída de emergência! Ela ouvia a música e balbuciava alguma cosa que não se parecia em nada com qualquer dialeto humano conhecido e o pior é que às vezes se empolgava e aumentava o volume da voz! O mundo está bem por eu não gostar de armas... Ah sem contar quando ela fazia uns movimentos que cutucavam meu acento e no meio do balbuciar surgia um “aleluia”, “a Deus”, “salvação”... Acho que se rola mesmo esta história de outra vida, voltarei como mulher e evangélica de sangue e carterinha...

As paradas eram curtas, mas muito boas para respirar fundo, contar até 10 quantas vezes desse tempo, ligar para avisar que estávamos bem e que chegaríamos no tempo previsto para respirar mais fundo ainda e retornar...

Ah! Um detalhe mais que importante: Não é que a digníssima da velha motoqueira do Senhor não roncava como o próprio Satanás! Caralho ! Que ódio! Nunca me senti tão orgulhoso em calar um instinto violento quanto dessa vez... Eu queria muito calar aquele ronco com minha meia ou com o lencinho podre do velho sentado ao lado no corredor. Acho que dormir ao lado do motor seria mais confortável e silencioso.

Tudo bem. Tudo bem.

Durante a noite (obviamente) mal dormida, reparei que o ônibus fazia algumas paradas não marcadas com certa freqüência e demorava horrores para voltar a mover... Acho que a bexiga daquele motorista era do tipo de um Kinder ovo: pequena, cheia de propaganda e sempre reservava uma surpresa, que nesse caso seria libera urina ou não libera urina. Surpresa! Nada de urina. Outra parada para conferir...

Pela manhã vi o nascer do sol muito bonito no meio da estrada. Isso me deixou mais feliz, mesmo por que indicava que faltava pouco para eu chegar a meu destino.

O tempo passa, o tempo voa e o trânsito de São Paulo continua como todos conhecem... Fui perguntar ao motorista quanto tempo demoraríamos para chegar uma vez que já havia passado 15 horas de viajem. A resposta dele foi a mais confortante possível: “Não sei”.

Como, por todos os duendezinhos bonitinhos de jardim a única pessoa que está no comando dessa viagem, a única pessoa com a mão no volante, a única pessoa com um crachá de motorista no peito naquele veículo não sabia me responder quanto tempo demoraria para fazer um percurso que esperava eu (ingênuo) que ele já tivesse feito 654 vezes naquela semana!??

Surpresa! Sem urina sem chegada. Filho da puta!

Tudo bem. Tudo bem.

A viajem passou. Atrasada, mas passou.

Não matei velha alguma.

Ainda há esperança de céu para mim...

No terminal rodoviário pego as malas, me certifico não ouvir nenhum latido abafado vindo do compartimento de cargas (nunca se sabe), respiro fundo, torço para não cruzar com a motoqueira do Senhor e o motorista da bexiga Kinder ovo nunca mais na minha vida, confiro se não me esqueci dentro do ônibus e parto para meu destino: Os braços e lábios de meu amor.

- Como foi a viajem?
- Ótima!

E um beijo faz parecer que cheguei depois de 5 minutos após ter embarcado...

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