segunda-feira, 20 de abril de 2009

Torres Brancas - O Conselho dos Narradores


Este é um texto retroativo; devia tê-lo postado antes do carnaval, mas por uma série de impecílios que não cabe citar aqui, o faço apenas agora. Antes tarde do que nunca... "Nunca" certamente não seria.


TORRES BRANCAS
O CONSELHO DOS NARRADORES


Depois de tantas idas e vindas, altos e baixos individuais e coletivos, dois amigos se reencontram quase que inusitadamente. Eles se abraçam, se calam e já mergulham numa conversa que poderia ter sido iniciada há alguns segundos ou a doze anos atrás.

Germano, o poeta, artista, apaixonado e louco. Torres, observador, artista anônimo, historiador ascendente. Ambos preocupados com o mundo e com o futuro do ser individual e coletivo a que denominamos homem.

Assim começou a conversa:

GERMANO – Linearidade pra quê? Não poderíamos arrumar os fatos como quiséssemos para a história ficar sempre interessante?

TORRES – As coisas não são assim, meu caro. Não fazemos muito além do papel de cada um, lembra quando você me disse isso?

GERMANO – Lembro.

Começaram a andar sem destino enquanto houvesse o que dizer ou desfrutar.

GERMANO – Eu estava impotente e desolado por conta...

TORRES – Por conta de uma mulher! Assim é a vida, assim é a história. Não poderia amar Rosaline, sonhar com Viviene e acordar com Lory...

GERMANO – Podia sim... Respondeu tempestuosa e teimosamente o artista desolado.

TORRES – E por que não o fez? Replicou sabiamente.

GERMANO – Porque não podia... - Teve de concordar.

TORRES – Vê como é preciso eximir-se dos sentimentos para ver com mais clareza as coisas?

GERMANO – Às vezes! Bradou o poeta arrancando a mania tola de generalização da conversa.

TORRES – Às vezes – concordou.

GERMANO – Você vai mesmo?

TORRES – Pra onde?

GERMANO – Para o Conselho dos Narradores.

TORRES – Não sei.

Germano sabia que Torres havia estudado muito para aquela audição com os Conselho, mas é preferível falar do que se quer falar.

GERMANO – Hum... Quer ir tomar um vinho, calar a boca e depois falar como um desenfreado?

TORRES – (sorriu) Quero sim.

Germano decodificando a cena, arrisca:

GERMANO – É aquela história da água na pedra?

Ambos vão à busca da primeira bodega que aparecer.

TORRES – É sim, mas eu prefiro aquela da Perseverança ou aquela da Preparação... Ou do calvário que chega ao fim trazendo luz...

GERMANO – Vai separar bem o coração dos fatos e da fé?

TORRES – Vou. Não sei se conseguirei, nem se quero conseguir, mas vou tentar.

Chegando na bodega o silêncio se fez presente por um mínimo instante a ponto de notar que um acorde em sol menor se fez ouvir não muito distante e ambos sabiam que poucos corações resistem a um sol menor.

GERMANO – Nunca mais teremos conversas como esta?

Virou de uma vez o primeiro copo de vinho como o fazia de costume em lugares assim e circunstâncias como essa.

TORRES – Essa dúvida é minha...

GERMANO – Eu sei, mas você é melhor respondendo as próprias perguntas do que eu.

“Sacana” pensou o historiador, “Sempre resguardado”. Olhou parra uma das diversas poças d’água existentes na cidade visíveis de dentro da bodega depois de mais uma noite de verão chuvoso.

TORRES – Vamos sim. Será outra bodega, acontecerá menos, mas teremos sim. Certamente.

GERMANO – Fico feliz por ter te conhecido tal qual aconteceu.

TORRES – É mútuo, seu branquelo...

Silêncio.

Sol menor.

GERMANO – Pare de ler meu silêncio, por favor.

TORRES – Eu não estava... Ah ta bom, estava sim, mas é o que me oferece; e temos de viver com o que nos dão.

GERMANO – Eu quero mais que isso.

TORRES – Eu também.

Silêncio.

Os olhos inquietos de Germano vistoriam todos os cantos e pessoas à sua volta. Decide se refazer de seu próprio devaneio com a pergunta entusiasmada:

GERMANO – Quando vai saber sobre o Conselho? Dalva me disse que já estão avisando.

TORRES – Saberei assim que ler a carta selada que está em meu bolso.

GERMANO – Está com você? Há quanto tempo?

TORRES – Dois dias.

GERMANO – E por que não abriu ainda?

TORRES – Não consegui, precisava tomar um bom vinho para isso...

GERMANO – Mas...

TORRES – Não me refiro a qualquer vinho. Em todo caso (retira a carta do bolso), aqui está.

GERMANO – O que está esperando? Abra!

TORRES – Hum... Tudo bem.

Começou a abrir com os cuidados de um artesão em exercício de seu ofício dizendo:

TORRES – “Um dia uma criança que morava num porto perguntou ao pai: ‘pai, por que você sempre refaz o píer se a cada dois meses vem um temporal e o destrói?’ O pai largou o que fazia, abaixou-se e olhou bem nos olhos do menino e respondeu: ‘Aqui é meu lugar. Minhas vitórias são daqui. Sempre que o refaço, ele fica mais resistente, então vou refazer até achar o jeito certo’. O menino saiu de casa e foi sentar em seu lugar favorito no mundo inteiro...

Torres deixou os olhos correrem pelas linhas da correspondência que acabara de abrir e desdobrar, deixou cair uma lágrima, sorriu para si, depois para seu amigo e disse:

TORRES – Eu passei – falou baixo, mal se ouviria se não estivesse prestando atenção.

GERMANO – VOCÊ PASSOU! Gritou Germano, como torres já achava que ele faria

A felicidade de Germano é como um incêndio que se alastra rapidamente e deixa marcas por onde passa. Depois desta noite os dois amigos se afastariam novamente, mas seguiriam como vencedores.

Beberam todos os vinhos, cantaram com todas as estrelas, cortejaram divertidamente a lua naquela noite Águas Pardas se incendiou de alegria.

Esse fogo estava extinto pela manhã, mas não longe dali, no Desfiladeiro das Recordações, existe uma torre branca e horizontal – parece um braço fugindo da pedra. Suas tochas foram acesas com um fogo que não se extinguirá jamais e seu dono sabe disso.



Parabéns Alessandro!

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